terça-feira, setembro 13

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.

Eugenio de Andrade, in Jardim dos Poetas

3 comentários:

Sarita disse...

Espero que apreciem tanto quanto eu este poema de um nosso querido poeta portugues.
Encontrei-o e li-o, e reli, reli ate nao mais poder, até conseguir fragmenta-lo em pedaços para perceber a sua essencia. E realmente, é lindo.

Sarita disse...

Thank your for your comment. At the end of reading it, i felt curious: did you read the texts or you just enjoyed my blog template.
Next time leave me your blog address. Good evening.

Anónimo disse...

Ora que há a dizer sobre este poema tão brutalmente concebido durante a fraqueza que é o amor?
bem escolhido..