sábado, dezembro 2

Recaida

É difícil pensar-se num passado em conjunto quando nos debruçamos sobre um presente que se afigura tão diferente. E mesmo que tenhamos o cuidado de esconder todos aqueles pequenos símbolos do que pretendemos esquecer, continua a ser difícil, pois, há sempre algo que permanece em nós, que despoleta pensamentos e tantas outras evocações a partir do nada. Ao virarmos as molduras para baixo, ao cortarmos outros das imagens compreendemos que nada consegue dissociar a junção que dois corpos tiveram e assim, para sempre, ficaram na memória. É essa a visão que se tem e que, até a clarificação, se pretende manter. A iluminação provém do peso da realidade abatido sobre nós ao olharmos ao longe o outro corpo, sentindo na pele a separação, o desejo atroz que nos consume enquanto olhamos até não queremos mais ver e continuarmos a enxergar. É um sentimento de total impotência, tristeza, medo, vontade de retrocesso. Voltar atrás. Fazer tudo diferente para fazer tudo igual. Sentir o real assim é peso a mais para ser sustentado por um corpo que é somente feito de carne e osso. Ao pensar na minha carne, penso em ti. Na minha carne viveste tu, assim como, na mente que ela acolhe. Em suma, eras parte do que fui e isso é que pesa, reconhecer que já não te abrigo mais em mim; emancipaste-te, partiste-te e por ti caminhas-te. Por muito que diga, as palavras já não têm o peso que tinham, não conseguindo, assim, alcançar-te. Estás longe, longe demais! Longe das mãos dos braços estendidos resignados à dor que a espera lhe inflige! Longe da pele que se arrepia sozinha sem aconchegos, exasperada por um toque simples que seja tudo, que, afinal, sempre foi tudo o que quis! Deste-me tudo e eu não soube ver atempadamente o quão significativa era a tua presença na minha vida. De que importa agora a dor de sentir tudo mudado? Já não retornas.

Sem comentários: