segunda-feira, outubro 30

Menu Da Tua Curta Vida

Peço exasperadamente a essas forças, que alguém diz haver e que lhes atesta grande força, que me tirem, até que seja à bruta, isto que vive dentro de mim! Rasguem-me!, dissequem-me segundo esses planos axiais do corpo a minha carne ao meio, expondo as minhas entranhas infectadas pelas emoções em que me habitam. Sinto-me apodrecendo por dentro, numa lepra crónica alimentada por um sentimento cuja existência não consigo deixar de negar. Sinto. Sinto muito, lamento. E enquanto escrevo, o quadro clínico agravasse com contribuições em larga escalada da minha mente que persiste na consciência de estar doente - penso em ti.
Um toque comum, aparentemente banal, e nas minhas mãos abriu-se a brecha de entrada à tua vinda.. E entras e vais longe, viajando pelo meu corpo, acomodado no meu sangue impulsionado pelas arritmias cardíacas que o meu coração vai sofrendo em meus ataques de ansiedade em que te espero e tu não vens. São desgastes adicionais à minha saúde que se perde a cada ventilar de falta de ar. A manutenção da minha vida dá lugar a uma insanidade que ocupa uma carne já não una. O que vai sobrando do meu corpo enlouquece, a par de uma lucidez caída na calçada da minha perda. Alojaste-te em todo o lado, chegas-te e encostaste-te, sabe-se lá, ajustaste-te às paredes das fossas em que enterro as minhas memórias. Inscreves-te na parede da minha lembrança. Vives na minha carne, sobrevivendo do consumo dos meus restos. Deliberadamente, te vais deliciando com as minhas vísceras, teu prato do dia, menu da tua curta vida: eu!

terça-feira, outubro 3

Por ti, figura ausente

Por ti, figura ausente, fizeram-se curtas as distâncias, palmilharam-se as diferenças que nos apartavam os corpos até ao ponto em que, juntas, as nossas respirações tornaram-se unas. Por ti neguei ao mundo, negando-me assim a mim, o outro meu lado que a nós era incompatível. Sacrifiquei-me; por um bem que me parecia superior, por todos os momentos em que juntos faziamos sentido, pelo que contigo sentia. Tudo o resto, num ápice, se tornou secundário tanto quanto insignificante. Mudamos, pela acção conjunta que empreendemos ao nos unirmos... Hoje; todas as abdicações passadas me retornam com folêgo renovado, múrmurando lamúrias incessantes, relembrando me de tudo o que não vivi por ti, figura ausente. Mal contigo, pior sem ti... Pior contigo, mal sem ti. A nós não nos foi concedida a benção do equílibrio, mas, sim, o fado de nunca bem estarmos. Esqueçi-me da minha outra face, para que ambos podessemos parecer o mesmo. Humanizaste-me os sentidos endurecidos por uma intelectualidade racionalizada ao extremo. Tiraste-me a razão que me munia. Armaste-me de um sentimento que acalentaste com as tuas parcas palavras. Sucumbi, culpa minha. No fim de contas, distingo, no meio da mescla de sentimentos que me tornei, saudades de contigo fruir a monotonia do nada fazer. Até mesmo esses momentos eu apreciava... Estamos presos, encarcerados, resignados a uma via sem sentido e, mesmo assim sendo, enveredamos na mesma vezes sem conta. Relações ciclícas como a pujança da minha mente que forte se fragmenta e fraca se torna. Vou-me abaixo; desejo que voltes. E voltamos, ao mesmo que nos fez pela primeira vez separar – a grande diferença que entre nós vive. Sempre soube que sentir de pouco valia... por isso mesmo, vivo desta minha memória selectiva que só o bom regista e de uma mente que só o bom recorda. Não quero mais estar contigo, quero somente te relembrar....